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As sete cidades de pedra


O Trilha explora agora o estado do Piauí.

Bem diferente da maioria das estradas que cruzamos, as deste estado são vazias, longos trechos sem uma alma sequer, nem fazendas, nem casas.

Só mato e alguns animais desgarrados que insistem em cruzar a frente do carro. Estradas desertas e perigosas. Assim é o caminho até nosso primeiro destino, a segunda maior cidade do Piauí: Parnaíba.

Este título não pode dar margem a muitas expectativas pois ela mais parece uma cidadezinha de interior. A má distribuição de renda cria contrastes interessantes: casas grandes e ricas vizinhas a casas de barro e madeira; carros bons dão passagem à carroça de jegue que transporta uma geladeira; em ano de eleição, propaganda política num megafone instalado na garupa da bicicleta. Pequenos comércios e mercantis (como são chamados os supermercados por aqui) se intercalam às antigas casas coloniais desta cidade histórica.

Ficamos alguns dias numa praia próxima, chamada Macapá, na Pousada Macapá - (86) 983 - 1635. Aqui os hóspedes se sentem realmente em casa, com o adicional do mar verde de Parnaíba a poucos passos da porta do quarto. Funcionários que viram amigos embalam conversas com "causos" e lendas, como a da mulher que foi encantada nessas águas, transformada em cobra.

O garçom e ajudante "Loro" nos contou que de vez em quando ela escolhe pessoas, em sua maioria homens, para desencantá-la. Nesses casos, vozes cochicham o procedimento que devem seguir para fazer a cobra tornar a ser mulher, um ritual que envolve bacias de leite e um punhal. A presença de uma cobra em uma das barracas da praia nos deixou intrigados com a lenda da encantada...

É uma pena que este pequeno paraíso esteja ameaçado por sua maior atração. A pousada durará até o dia em que o mar decidir ser o hóspede exclusivo, o que não deve demorar mais de um ano. Uma força contra a qual não se pode lutar; uma força que destrói o litoral do Piauí, mas criou no seu interior um dos sítios arqueológicos mais importantes do país, que fomos conhecer: o Parque Nacional de Sete Cidades.

Dizem os estudiosos que toda a região do parque, distante 160 km de Parnaíba, era submersa nas águas de um mar muito raso, que recebia areia e lama dos rios, vindos de montanhas cobertas de gelo. Os sedimentos iam espalhando-se pelas margens e pelo fundo do mar, compactando-se nas várias camadas que formaram um arenito cinzento-esbranquiçado. Quando o mar regrediu, expôs o arenito à ação erosiva dos rios, da chuva, dos ventos e do calor, que trataram de desgastar as fraturas já existentes e esculpir as formas que deram origem a Sete Cidades.

Difícil imaginar o lugar há 190 milhões de anos, idade calculada das esculturas de pedra, com mares e montanhas de gelo, já que hoje o clima do parque é seco, vegetação que mescla o cerrado e a caatinga em temperaturas que podem chegar a mais de 45 graus no verão!

Depois de pagarmos uma taxa de entrada, uma taxa ao Ibama e a taxa do guia credenciado (tudo bem, a organização e estrutura do parque mereceram), nossa visita foi monitorada pelo Claudinei, que apontou a direção na nossa viagem pelas Sete Cidades de Pedra.

1ª Cidade: Piscina do Olho d'Água dos Milagres e Pedra dos Canhões

Esta piscina recebe este nome não por alguma propriedade surreal das águas, mas porque sua fonte é inesgotável, apesar do clima seco da região. Para quem quiser se refrescar, é permitido entrar na piscina, só cuidado com o piso, forrado de um limo muito escorregadio. Sem mais comentários... A escultura parece mesmo um canhão enferrujado, formação devida a reações químicas nos pólos do arenito, cimentados por óxido de ferro.

2ª Cidade: Arco do Triunfo, Sítio da Mão dos Seis Dedos, Biblioteca, Mirante

Em quase todos os pontos do parque é possível que se entre de carro, com exceção desta cidade. Esta proibição foi criada desde que um ônibus de excursão quebrou um pedaço do grande arco natural da entrada, o Arco do Triunfo. Um acidente que não chegou a prejudicar a sua beleza.

Atravessando uma ponte de madeira, chegamos na pintura rupestre mais conhecida, e mais intrigante. As pinturas têm cerca de 7000 anos e comprovam a existência do homem pré-histórico na região, que criava a tinta pisando pedras com óleos vegetais e costumava assinar seus desenhos carimbando sua mão.

Neste paredão, a assinatura apresenta uma característica diferente, levando a crer que este artista contava com seis dedos na mão.

Mais adiante chegamos ao Palácio da Biblioteca. Trata-se de uma enorme rocha, sedimentada em camadas, que dão a impressão de milhares de livros empilhados a céu aberto. A última atração desta cidade é também a mais bonita, o mirante. Localizado no ponto mais alto, têm-se a visão completa do parque. A vontade que dá é de passar o resto da tarde por lá, aguardando no silêncio de pedra o sol se pôr. "Mas ainda há muito o que conhecer e não é permitida a permanência no parque após as 17hs" - palavras de Claudinei no seu papel de guia.

3ª Cidade: Dedo de Deus, Os Três Reis Magos, Furo Solsticial

Aqui a natureza se deu o trabalho de criar um calendário agrícola, uma obra que parece realmente ter "o dedo de Deus". É o furo solsticial, uma abertura na rocha por onde os raios do sol nascente dos dias 21 de junho e 21 dezembro passam e refletem num ponto da rocha em frente, marcando o início do verão e do inverno.

4ª Cidade: Archete, Beijo dos Lagartos, Mapa do Brasil

O Archete é um pequeno arco na entrada da cidade, moldado pela ação dos ventos e da chuva. As raízes que o cobrem e descem até o solo em busca de água são de uma gameleira que nasceu em cima da pedra.

As duas cabeças de lagarto que eternamente ficarão na eminência de um beijo estão ao lado de um perfeito mapa do Brasil, mais uma das brincadeiras da natureza presentes no Parque.

5ª Cidade: Sítio da Pedra da Inscrição, Furna do Índio, Pedra do Camelo, Gruta do Catirina,

Túmulo do filho do Catirina. A Pedra da Inscrição apresenta pinturas rupestres com desenhos geométricos, outros que se assemelham a animais e a primeira inscrição encontrada no parque, apelidada de cadeia de DNA. Os desenhos sempre são baixos, o que indica que a altura desses homens pré-históricos não passava de 1,50m. A furna do Índio é uma gruta que muito provavelmente foi usada como abrigo pelos aborígenes. Ela tem um cheiro de fogueira recém apagada, parece cheiro de pão assado. Estranho pois a última fogueira acesa por aqui deve ter sido a uns 7000 anos atrás.

A Gruta do Catirina tem a história mais interessante do parque. Catirina, ou José Ferreira do Egito, passou a morar nessa gruta do parque junto com seu filho deficiente mental, depois do falecimento de sua mulher. Era conhecido como curandeiro na região. Pilava ervas medicinais num buraco da gruta e chegou a curar um funcionário do Ibama picado por uma cobra. Seu isolamento durou 13 anos, quando seu filho faleceu, em 1944. Depois de enterrá-lo, Catirina desapareceu, sem deixar vestígios.

6ª Cidade: Pedra da Tartaruga, do Elefante e do Cachorro

As formações de arenito foram batizadas de acordo com a imaginação do homem e sua necessidade de transformar os mistérios da natureza em algo conhecido e familiar. A Pedra da Tartaruga é um mosaico de estruturas poligonais, com a aparência de um casco de tartaruga, encontrado por toda a região. Essa formação é o resultado de um esforço conjunto do sol, da chuva e dos líquens. O sol desidrata o monumento, fazendo com que ele perca volume e se contraia em diversos polígonos quase exatos, como uma poça de lama ressecada. Os líquens escurecem a pedra e formam uma película protetora à ação erosiva da chuva, que acaba escorrendo pelas frestas, ressaltando ainda mais os polígonos.

7ª Cidade: Gruta do Pajé, Sítio de Pinturas

A última e a menor, mostra uma parede recheada de desenhos. Foi uma visita atípica para o trio, acostumado a pesquisar pessoas, mas aqui isso só seria possível através de uma máquina do tempo. Um Parque Nacional que vale a pena ser visitado. Seguimos em direção ao Delta do Parnaíba, um frágil ecosistema que os brasileiros pouco conhecem.