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Nas terras do Bom Jesus Conselheiro


Pelos caminhos do interior baiano seria impossível saber o local exato onde a caatinga e a aridez tomaram conta das nossas vistas, nos abrindo as portas do sertão bravo. Mas agora, olhamos para o lado e vemos o sertão. Canudos é sertão.

A solenidade dos rostos, a crueza da paisagem, o excesso de luz não deixa quase nada para imaginar alí. O sertão é um cartão postal perverso: beleza e miséria.

Dividida pelo açude de Cocorobó, existe hoje a Nova Canudos e a Velha Canudos. Essa, cheia de mistérios e muito acolhedora.

A luz elétrica chegou há 1 ano, e o asfalto, que serve de morada para milhares de porcos, sapos e cabras, há poucos meses. E foi por aqui mesmo, que fomos recebidos de braços abertos por todos os moradores locais, que nos hospedaram em uma pequena casinha com vista para o açude.

O Rio Vaza Barris foi represado na década de 60 para abastecer a população local, escondendo sob as águas, as ruínas do passado histórico. Isto impressiona muito, porque não é uma história antiga. Ainda faz parte do cotidiano
daqueles que por aqui vivem.

A cada encosta, um cemitério clandestino, um fuzil de bala, uma ossada de boi. O sertão é cruel.

Aqui, ninguém foi vencedor. Muitas cruzes estão em nossos caminhos, lembrando a morte em cada esquina. Uma história sem leis e regras que foi afunda no açude.

A nossa frente, vemos história. Um Museu ao ar livre; agora num Parque Estadual, que guarda consigo todas as marcas deste triste passado.

Por outro lado, nossos anfitriões são pessoas maravilhosas. Dna Madalena, sobrinha de "Manoelzão", um dos inúmeros afilhados do Conselheiro, com seu chapéu de palha, nos mostrou todo o Parque. Em alguns lugares, como o "Vale da Degola", diz ela, "ainda é possível de se achar cadáveres e objetos".

Por ela ficamos sabendo da vida em época de seca brava. Por experiência própria, já teve de dividir 1 litro de água para a família inteira tomar banho. Já viu o calor secar o gado e sabe o real significado da palavra fome. Sabem dividir para sobreviver...

Dna. Elísia, nossa vizinha, está sempre por perto. Quando estamos trabalhando, vem toda sorridente com o arroz, o feijão e o frango. Por aqui, é assim mesmo. A comida hoje farta faz os moradores terem prazer em servir uma refeição aos visitantes. Na realidade, de visitantes só temos nós. Ficamos impressionados com a falta de interesse das pessoas pela sua própria história. A freqüência de visitação ao Parque Estadual de Canudos é simbólica. Poucos ou nenhum carro durante a semana e às vezes, uma excursão.

Sem papéis, sem museus, sem arquivos, em Canudos o massacre e os horrores da guerra ressurgem a cada nome que batiza a terra nas imediações do Cocorobó. O próprio açude é um cemitério. Escombros e cadáveres tem nas águas tranquilas do açude sua magestosa lápide.

São fatos, relatos e pessoas que nos inspiram a seguir cada estrada adiante sem medo, somente na certeza de um dia poder ajudar esta terra de céu azul.


Vivenciando a vida deste povo maravilhoso e forte que dividimos como brasileiros, percebemos que somos estrangeiros em nosso próprio país. Cada canto uma diferença, uma crença. Fatos que nos tornam mais fortes e fracos em um único instante.

Agora, deixamos o axé, os diamantes e as pregações de Conselheiro. A Bahia fica para trás. Seguimos rumo a Pernambuco, terra de Lampião e festas Juninas deste imenso sertão.